Por Ana Luiza Rigueto
Ninguém precisa de cigarros. Ou de doce de leite. Ou de segurar a
faca com a mão direita à mesa. Muito menos de comer verdura com pesticida. Mas
tudo isso acontece - fazendo mal ou não. Estou ouvindo música pop na TV.
Preencho a página de entrelinhas e espero que algum ser humano compreenda.
De criança, cada um observa e, sorvendo simbolismos, é atraído e
repelido: escolhe, sem perceber, o adulto que será.
Fico tentando entender o que não é aparência nesse mundo. Ou,
nessa partícula cultural em que nasci, e que, as vezes, parece ser o próprio mundo
e me absorve. A música pop me atrai e repele, mas não cesso de ouvi-la:
movimento que leva à exaustão.
Hora ou outra não há refúgio. Vez ou outra essa estafa me vem,
implacável. Então é isto? Estamos todos condenados a escolher no catálogo? Os
sentimentos já visitados, as facetas já gastas, as mesmas angústias. Meu Deus,
é tudo ciclo, é tudo instrumento e composição: as palavras, as tintas, os
papéis, os objetos e os seres. Então é isso? O gosto por este ou aquele, e
viver sob esses contornos?
O nome das coisas das quais se aproxima dizem de você. O vento é o vento e entra pela janela. A
imagem que suscito ao dizê-lo: a natureza invade, calma; a fluidez do que não é
construção (exceto por ter recebido nome) transcende por entre as linhas retas,
quadrangulares, do homem. Ou ainda: o vento areja. Vindo de não sei onde, entra
nesse cubículo predial. Passa pelas plantas da janela, bate nos móveis, nas paredes,
passa por mim. Quero comunicá-lo para arejar a minha escrita.
A música pop faz cócegas nas minhas sensações.
Quem tem boca fala o que quer. Quem tem mão e os demais
instrumentos escreve. Os meios de comunicação propagam. “O mundo é seu”, diz a
voz da clichê, digo TV. Sentamos e assistimos. A música pop tolhe com cores, vozes e corpos
agudos. Não conduz, só aponta e espera que se olhe para o ponta de seu dedo. E,
por algum tempo, obedeço.
A música pop me deprime. Depois, só me enche a paciência mesmo.
Desligo a televisão.
Que é o amor senão o fundamento das coisas? De outro modo,
restariam apenas estereótipos e instituições. (E a distração aborrecida da
música pop.) Liberdade não é tudo: é inútil sem bons motivos, finalidades ou
estímulos. Esses dias li que a liberdade está na ausência de finalidade. Também
concordei.
As plantas na janela são mais sinceras que o sofá, a janela e eu. Elas
só se estabelecem onde podem existir: saudáveis, vivas, brilhantes. Eu e o sofá
sobrevivemos, exaustos, insinceros. Entrego-me a observação das plantas na
janela. Faço parte dessa composição em que cada objeto tem sua função.
A beleza atrai. As plantas verdinhas na janela, e a oportunidade
de resgatar as emurchecidas, que anunciam queda. Ter fome e comer é tão
sincero. Há um fio que se costura nessas entrelinhas. Não nomeio, mas o
reconheço. Viço, amor, liberdade – ser um pouco herói na vida.
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