terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Concha

Por Ana Luiza Rigueto

Depois de muito tempo condensando, condensando, condensando, parece que a ideia do segredo perde alguma coisa da urgência de ser segredo. Perde um pouco do etéreo, da dívida consigo mesmo de manter-se a salvo. Depois de algum tempo – o que for suficiente, o segredo parece tão palpável que assemelha-se a uma esfera maciça, tangível e lustrosa. Ao tomá-lo na palma da mão, pode-se pensar até que ele, o segredo, dissociou-se de seu dono, que pensa: “isto não é mais meu, é só uma coisa que levo, uma coisa sólida, uma coisa estabilizada. Já aceito tanto essa coisa, que nada que vier dela me afetará. Quero que alguém mais tome conhecimento disso”. Pensando assim, com a esfera maciça na mão, o dono do segredo, que não é mais segredo, é só um objeto levado, estende a mão a alguém próximo de si, que olha e não entende. Daí o tal dono assente com a cabeça, como quem diz “pega”, e o outro apara a mão pra receber a esfera-segredo. “Era isso que eu levava esse tempo todo. Agora é seu também, se não se importa. Se se importa, não tem problema. Não me importo por nós dois.”

No final das contas, não importa. Nada importa tanto. No final das contas, tanto faz. “Toma, pode ficar”. Era só um anel, era só um texto, era só uma sombra, era só a juventude, era só um medo passageiro. No final das contas, era só uma vontade de sentir medo pra preencher a vida. Um medo tão grande de sucumbir ao nada, que nossas vidas pareciam engajadas por um motivo – todos juntos, temíamos e nos sentíamos confortados pelo temor do outro. No final das contas, a esfera vira uma pluma, ou uma pedrinha transparente, ou uma concha. Tanto faz.

No final das contas, aquela viagem nunca sai e nossas vidas mudam mesmo assim. Ou sai e nos muda ou não. No final das contas estamos em cima de um camelo no meio do deserto nos sentindo saudosos da época em que sentávamos no meio-fio depois da última aula. No final das contas, quem escolhemos nos escolhe também, sem aviso prévio. E o resto perde um pouco da importância e da urgência  – a única urgência passa a ser uma tal casa avarandada... Já houve urgência? Já. E ainda haverá. Mas, justamente agora, tanto faz.

“Assim num dia de verão as ondas se ajuntam, se avolumam e caem; se ajuntam e caem; e o mundo inteiro parece dizer “é só isso” em tom mais e mais pesado, até que o coração dentro do corpo deitado ao sol na praia diz também, é só isso. Não temas mais, diz o coração. Não temas mais, diz o coração, entregando seu fardo a algum mar, que suspira coletivamente por todas as dores, e se renova, começa, se ajunta, deixa cair. E apenas o corpo ouve a abelha passando; a onda quebrando; o cão latindo, muito longe latindo latindo.”