domingo, 14 de setembro de 2014

As plantas na janela são mais sinceras que o sofá

Por Ana Luiza Rigueto

Ninguém precisa de cigarros. Ou de doce de leite. Ou de segurar a faca com a mão direita à mesa. Muito menos de comer verdura com pesticida. Mas tudo isso acontece - fazendo mal ou não. Estou ouvindo música pop na TV. Preencho a página de entrelinhas e espero que algum ser humano compreenda.

De criança, cada um observa e, sorvendo simbolismos, é atraído e repelido: escolhe, sem perceber, o adulto que será.

Fico tentando entender o que não é aparência nesse mundo. Ou, nessa partícula cultural em que nasci, e que, as vezes, parece ser o próprio mundo e me absorve. A música pop me atrai e repele, mas não cesso de ouvi-la: movimento que leva à exaustão.

Hora ou outra não há refúgio. Vez ou outra essa estafa me vem, implacável. Então é isto? Estamos todos condenados a escolher no catálogo? Os sentimentos já visitados, as facetas já gastas, as mesmas angústias. Meu Deus, é tudo ciclo, é tudo instrumento e composição: as palavras, as tintas, os papéis, os objetos e os seres. Então é isso? O gosto por este ou aquele, e viver sob esses contornos?

O nome das coisas das quais se aproxima dizem de você.  O vento é o vento e entra pela janela. A imagem que suscito ao dizê-lo: a natureza invade, calma; a fluidez do que não é construção (exceto por ter recebido nome) transcende por entre as linhas retas, quadrangulares, do homem. Ou ainda: o vento areja. Vindo de não sei onde, entra nesse cubículo predial. Passa pelas plantas da janela, bate nos móveis, nas paredes, passa por mim. Quero comunicá-lo para arejar a minha escrita.

A música pop faz cócegas nas minhas sensações.

Quem tem boca fala o que quer. Quem tem mão e os demais instrumentos escreve. Os meios de comunicação propagam. “O mundo é seu”, diz a voz da clichê, digo TV. Sentamos e assistimos.  A música pop tolhe com cores, vozes e corpos agudos. Não conduz, só aponta e espera que se olhe para o ponta de seu dedo. E, por algum tempo, obedeço.

A música pop me deprime. Depois, só me enche a paciência mesmo. Desligo a televisão.

Que é o amor senão o fundamento das coisas? De outro modo, restariam apenas estereótipos e instituições. (E a distração aborrecida da música pop.) Liberdade não é tudo: é inútil sem bons motivos, finalidades ou estímulos. Esses dias li que a liberdade está na ausência de finalidade. Também concordei.

As plantas na janela são mais sinceras que o sofá, a janela e eu. Elas só se estabelecem onde podem existir: saudáveis, vivas, brilhantes. Eu e o sofá sobrevivemos, exaustos, insinceros. Entrego-me a observação das plantas na janela. Faço parte dessa composição em que cada objeto tem sua função.


A beleza atrai. As plantas verdinhas na janela, e a oportunidade de resgatar as emurchecidas, que anunciam queda. Ter fome e comer é tão sincero. Há um fio que se costura nessas entrelinhas. Não nomeio, mas o reconheço. Viço, amor, liberdade – ser um pouco herói na vida.