quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Contraproducente

Por Analice Paron


Seria equivocado eu afirmar algum tipo de certeza baseada em impressões de um instante qualquer que passou. Tudo não passa de lembrança. Um carimbo frouxo daquele breve ensejo. Seria perigoso colocar alguma fé em vestígios parcos de um pensamento distante mas que volta e meia se manifesta. 
Seria estranho acreditar que a constância do retorno de qualquer ideia ligada ao já supracitado fato tem algum motivo específico para tamanha insistência. 
Seria... 
Tantas outras questões se tornariam pretérito imperfeito ou mais-que-perfeito sem nunca terem sido alvo do fabuloso mundo da contestação.
E teriam sido deixadas lá - todas as questões - em processo abortivo, se não fosse a mania da desobediência cognitiva. 
Uma insurreição de princípios de orações e fragmentos de frases. Aglutinados em poderoso seres pensantes: ideias fixas. 
Me surpreendo colocando com tamanha voracidade e veemência esses traços dançantes no papel (ou esses toques insistentes na tela no notebook). Registrar esse processo do qual sou autora e vítima é uma experiência nova. Ao menos nunca tinha organizado os termos dessa maneira. 
Não pretendo, através desse texto, declarar nada. Muito menos pedir algo, a sua atenção já estava incluída na proposta. Talvez essas linhas sejam apenas um jeito de melhorar a celeuma em que as tais ideias fixas se encontram. Por conseguinte, eu me encontro. Talvez, por meio desta, fique comprovada minha necessidade quase patológica de ser egocêntrica. Deveria procurar ajuda especializada. Ou não. 
Sem tantas delongas, não tanto quanto seja possível evitar, o primordial é discorrer sobre o papel do tempo  na minha (mais um traço patológico, anotado) percepção do mundo e dos encontros da vida.  
Como já dito, a partir de um novo prisma ótico é possível traçar um parâmetro entre os acontecimentos. 
Encontro, espera, desencontro. 
Acho que é preciso alterar a ordem: 
Desencontro, espera, encontro, desencontro, espera... tenho um palpite sobre o que vem em seguida. Se a vida fosse uma projeção aritmética ou geométrica uma fórmula resolveria todo o dilema. Mas não é, amém. Existem seres iluminados que acreditam piamente na regra de três para encerrar o caso. Não faço parte desse grupo, definitivamente. 
A dúvida permanece e assim será. 
O que vejo de forma nítida e clara é uma grande árvore de caminhos quase incontáveis se abrindo a cada instante. O que fazer se não explorar incansavelmente a pluralidade de mundos, aos poucos desvelados logo aí, bem à sua frente?
Os desencontros, encontros, esperas, seguidas de mais encontros e outros tantos desencontros, continuam em um ciclo absoluto. 
Quanto a mim, acredito que depois de um desencontro, uma espera, muitos encontros virão. 
Ficarei atenta às esquinas, às curvas, aos acenos nas janelas. 
Conquanto, o relógio não dará trégua e a vida seguirá sua dança cotidiana, as vezes intercalada por passos de uma valsa leve, outras vezes continuada a marcha de mil generais, custo a não desconfiar do imponderável. Ouso arriscar. 
Não existe momento certo ou errado para a casualidade do destino ou para a coincidência de um mapa astral. Existe a vontade universal das estrelas. 
Imagem de We Heart It
Não sei se um planeta em uma constelação pode ser considerado um fenômeno raro. Penso que não faz parte dos domínios do acaso. 
E essa certeza - afirmar tamanha convicção pode soar contraproducente, mas o que é a vida sem um pouco de risco, ainda mais risco poético - enfim, essa certeza me faz sorrir e é bom. 

Não foi, nem vai ser. É. 


                                                                                                                                   


quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Livre para voar?

Por Analice Paron


O coração da gente deve ser igual a passarinho, deve precisar ficar dentro do ninho, é pequeno de mais
para voar. O coração da gente deve ser bem miudinho, feito uma semente de alguma flor que deu no mato.
Talvez esse texto pretenda ser romântico em algum sentido. Talvez não. Eu nunca sei o que esperar quando começo a escrever nessa página. Nunca sei muito bem o que esperar quando começo a escrever um texto mais "livre".

Acho que já estou começando a ficar habituada a urgência da pauta, a necessidade de uma temática, a precisão de uma orientação. Acho que isso não é bom. Realmente isso não me faz tão bem. Mas então o que fazer?

Já me fiz essa pergunta tantas vezes essa semana... acho (de novo) que essa é A pergunta do ano de 2013. E a resposta dela tem norteado quase todas as minhas decisões: eu não faço a menor ideia. Desde o nome desse blog até quando alguém me pergunta se eu gosto mais de torta de limão ou torta de maracujá. Pior que isso é quando esse mesmo alguém inclui nas possibilidades uma fatia caprichada de torta de chocolate. Não, aí é de mais.

Na maioria das vezes eu quero todas, um pouco de cada, para provar e depois decidir com mais certeza. Se bem que acho que o bom mesmo seria poder comer tudo de todas, mas aí provavelmente eu passaria mal. Ou não. Ou só engordaria. Ah, quem se importa?!

Mas na prática não estou falando de tortas - quem me dera. Na prática o problema é vital. É cotidiano. Tem a ver com tudo o que está acontecendo aqui e agora. Em uma coisa que as pessoas insistem em chamar de "minha vida".

Tá, ok, essa última frase ficou um pouco revoltada. O problema é que, talvez não seja um problema tão grande assim, mas a questão toda é que eu sinceramente não sei mais o que pensar sobre uma escolha profissional. Todo mundo diz (eu me inclui nesse grande grupo de pessoas) que é super normal não saber direito o que fazer da vida profissional, que é normal ter dúvidas e que não da para achar que você vai infartar de felicidade no seu ambiente de trabalho. "Sempre terão coisas chatas para fazer, pessoas insuportáveis para lidar e blá blá blá". É o que TODO mundo SEMPRE diz.

E eu me revolto quando ouço isso. Por que a gente tem que se conformar? As vezes parece que ser adulto é ter que se conformar! Eu não quero isso! Não quero acordar todos os dias e pensar "droga, tenho que trabalhar". Será que é pedir muito? Será que não posso almejar isso? E se eu quero isso, será que não posso pautar minhas escolhas pensando nisso? Então, afinal, eu fiz a escolha certa? Eu quero trabalhar com o que estou trabalhando? Quero acordar todos os dias e pensar em uma matéria, escrever um texto, postar em algum site, publicar em alguma revista, colocar no ar em algum canal. Será isso mesmo?
Será que está muito cedo para decidir? Muitos dirão que sim, acho que a maioria das pessoas mais velhas. Mas o tempo não esta passando diante dos meus olhos enquanto eu não posso fazer mais nada exceto torcer para continuar respirando?
Aí vem algum cidadão e me diz que eu tenho que correr para me formar, correr para trabalhar, correr para tentar AQUELA vaga imperdível naquele canal dos sonhos...

Não quero correr. Quero? Alguém quer? Alguém tem um plano milimetricamente traçado e que está seguindo direitinho? Existe uma fórmula?

No fim das contas eu já pensei isso tudo e já esbravejei sobre todos esses questionamentos, mas eles simplesmente não param de me atormentar. Não sei até que ponto isso é saudável. E não sei se valem a pena. Droga, mais um "não sei". Vou fazer um exercício e tentar falar menos "não sei". "Acho", "talvez", "meio que sim", deveria tentar excluir todas essas expressões.

Será mesmo?
Relativizar é uma boa forma de pensar mais a respeito. Acho que não quero mais pensar, talvez seja melhor ficar quietinha, meio que esperando, ou só respirando.

Deixar a vida tomar as rédeas da situação e eu ir nadando com a maré... Um plano muito tentador. Mas não o que eu escolho. Essa certeza eu tenho.

Mas e aí? Escrevi, escrevi e não cheguei a lugar algum. De repente o texto ficou um bocado repetitivo. A melhor solução é colocar a cara no travesseiro e gritar, tomar um banho gelado, dar um mergulho no mar.

Voltar a pensar no passarinho, pequenininho, aquele que deveria sair do ninho e voar por outras paragens.

Dizem que um coração ousado vai mas longe. Será?



domingo, 1 de setembro de 2013

Settembre

Por Ana Luiza Rigueto

Setembro chegou. Não vou perder meu tempo dizendo que foi rápido, que eu nem vi o tempo, que daqui a pouco é Natal, que já daqui a pouco faço outro aniversário. Deixemos isso pra uma hora mais entediante. Nem vou dizer que não faço a menor ideia do que eu esteja fazendo, ou vá fazer, com a minha vida. Isso é tudo meio entediante.

O que tenho para dizer é que outro dia abri minha água com gás especial, a San Pellegrino, uma água italiana antiga, tradicional. Também soa bastante entediante. Mas o fato é esse mesmo. Bem, em primeira pessoa está tão banal quanto eu previa. Deixa ver se assim vai:

A água com gás italiana estava guardada há uns meses, a espera de uma refeição à altura para poder ser aberta. Não se via aquela água em qualquer supermercado, então não poderia desperdiçar com uma comida banal – gostava muito de comer, gostava mesmo. Mas a água estava guardada há tanto tempo, talvez fosse melhor bebê-la logo. Então, vou abrir, Ana pensou. É melhor beber logo, mesmo que seja com esses pastéis, e são pastéis gostosos, então está bem.
Minerale naturale, capito?

Ana colocou os pastéis no prato, foi até a geladeira e pegou a garrafinha de vidro verde transparente. Abriu. Bebeu. Um, dois goles. Estava praticamente sem gás algum. Afastou a San Pellegrino do rosto, examinou para ver se as borbulhinhas estavam subindo e quase borbulhinha nenhuma subia. Sem gás, lamentou. Não podia reparar o fato de não tê-la consumido antes, enquanto ainda estava boa e fresca.

Bebia um gole da água. Mordia um pedaço de pastel. Mastigava. Enquanto mastigava, pensava, parece que influenciada por algum acontecimento anterior, já que mastigar pastéis e beber água com pouco gás, genuinamente, não justificam tais divagações. Essa minha mania de deixar o que julgo ser muito especial para um momento perfeito, pensou. E a San Pellegrino já sem gás, sem graça, ali à mesa.

Comeu os pastéis, gostosos. Bebeu a água até a metade, a outra metade jogou fora, já não estava boa. Essa mania que tenho de deixar o que julgo muito especial pra um momento perfeito. Guardei essa água tanto... O fato é que Ana já não pensava na água. A água encontraria outra vez, n’outro supermercado. Ana tinha em seus pensamentos alguma outra questão, outro episódio, alguém, uma coisa, sabe-se lá.

“E quando finalmente vou desfrutar dos goles que tanto esperei, e até prendo o fôlego, porque estou crendo que serão inesquecivelmente marcantes, acabo por pensar: cadê o gás?” Não era mais da água. Pode-se arriscar que se tratava do tipo de coisa que guarda em si alguma potência. Essas coisas que devem ser desfrutadas, compartilhadas, tocadas, expostas, sentidas enquanto ainda borbulham, enquanto ainda tem bolhas querendo subir pela extensão da garrafa.

Tão voláteis, Ana concluiu. E eu ainda tento protelar, deixar pra depois, numa garrafinha de vidro verde transparente para um jantar especial. É que Ana tentava fazer da potência promessa. Se fica guardado por muito tempo, intocado, parecendo que precisa esperar, esperar, esperar... Uma hora pode perder a força, Ana raciocinava, absorta, esquecida da San Pellegrino.

Levantou-se, saiu da cozinha, foi para o quarto. Ligou seu computador e pensou. Escreveu, escreveu, tentou relatar um pouco para não se esquecer. E por último digitou assim, algo que não levava aspas porque era seu:

Que eu beba a água com o máximo de gás – o momento especial estará, precisamente, nisto.