Por Ana Luiza Rigueto
Setembro chegou. Não vou perder meu tempo dizendo que foi rápido, que eu nem vi o tempo, que daqui a pouco é Natal, que já daqui a pouco faço outro aniversário. Deixemos isso pra uma hora mais entediante. Nem vou dizer que não faço a menor ideia do que eu esteja fazendo, ou vá fazer, com a minha vida. Isso é tudo meio entediante.
O que tenho para dizer é que outro dia abri minha água com
gás especial, a San Pellegrino, uma água italiana antiga, tradicional. Também soa bastante entediante. Mas o fato é esse mesmo. Bem, em primeira pessoa
está tão banal quanto eu previa. Deixa ver se assim vai:
A água com gás italiana estava guardada há uns meses, a espera
de uma refeição à altura para poder ser aberta. Não se via aquela água em
qualquer supermercado, então não poderia desperdiçar com uma comida banal –
gostava muito de comer, gostava mesmo. Mas a água estava guardada há tanto
tempo, talvez fosse melhor bebê-la logo. Então, vou abrir, Ana pensou. É melhor
beber logo, mesmo que seja com esses pastéis, e são pastéis gostosos, então
está bem.
Ana colocou os pastéis no prato, foi até a geladeira e pegou
a garrafinha de vidro verde transparente. Abriu. Bebeu. Um, dois goles. Estava
praticamente sem gás algum. Afastou a San Pellegrino do rosto, examinou para
ver se as borbulhinhas estavam subindo e quase borbulhinha nenhuma subia. Sem
gás, lamentou. Não podia reparar o fato de não tê-la consumido antes, enquanto
ainda estava boa e fresca.
Bebia um gole da água. Mordia um pedaço de pastel.
Mastigava. Enquanto mastigava, pensava, parece que influenciada por algum
acontecimento anterior, já que mastigar pastéis e beber água com pouco gás,
genuinamente, não justificam tais divagações. Essa minha mania de deixar o que
julgo ser muito especial para um momento perfeito, pensou. E a San Pellegrino
já sem gás, sem graça, ali à mesa.
Comeu os pastéis, gostosos. Bebeu a água até a metade, a
outra metade jogou fora, já não estava boa. Essa mania que tenho de deixar o
que julgo muito especial pra um momento perfeito. Guardei essa água tanto... O
fato é que Ana já não pensava na água. A água encontraria outra vez, n’outro
supermercado. Ana tinha em seus pensamentos alguma outra questão, outro
episódio, alguém, uma coisa, sabe-se lá.
“E quando finalmente vou desfrutar dos goles que tanto
esperei, e até prendo o fôlego, porque estou crendo que serão inesquecivelmente
marcantes, acabo por pensar: cadê o gás?” Não era mais da água. Pode-se
arriscar que se tratava do tipo de coisa que guarda em si alguma potência. Essas
coisas que devem ser desfrutadas, compartilhadas, tocadas, expostas, sentidas
enquanto ainda borbulham, enquanto ainda tem bolhas querendo subir pela
extensão da garrafa.
Tão voláteis, Ana concluiu. E eu ainda tento protelar,
deixar pra depois, numa garrafinha de vidro verde transparente para um jantar
especial. É que Ana tentava fazer da potência promessa. Se fica guardado por
muito tempo, intocado, parecendo que precisa esperar, esperar, esperar... Uma
hora pode perder a força, Ana raciocinava, absorta, esquecida da San
Pellegrino.
Levantou-se, saiu da cozinha, foi para o quarto. Ligou seu
computador e pensou. Escreveu, escreveu, tentou relatar um pouco para não se
esquecer. E por último digitou assim, algo que não levava aspas porque era seu:
Que eu beba a água com o máximo de gás – o momento especial
estará, precisamente, nisto.
vc eh linda e especial garota, nunca duvide disso.
ResponderExcluirvc eh linda e especial, nunca se esqueca disso.
ResponderExcluirLorena se encontrou nessa garrafa. Sério.
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