domingo, 1 de setembro de 2013

Settembre

Por Ana Luiza Rigueto

Setembro chegou. Não vou perder meu tempo dizendo que foi rápido, que eu nem vi o tempo, que daqui a pouco é Natal, que já daqui a pouco faço outro aniversário. Deixemos isso pra uma hora mais entediante. Nem vou dizer que não faço a menor ideia do que eu esteja fazendo, ou vá fazer, com a minha vida. Isso é tudo meio entediante.

O que tenho para dizer é que outro dia abri minha água com gás especial, a San Pellegrino, uma água italiana antiga, tradicional. Também soa bastante entediante. Mas o fato é esse mesmo. Bem, em primeira pessoa está tão banal quanto eu previa. Deixa ver se assim vai:

A água com gás italiana estava guardada há uns meses, a espera de uma refeição à altura para poder ser aberta. Não se via aquela água em qualquer supermercado, então não poderia desperdiçar com uma comida banal – gostava muito de comer, gostava mesmo. Mas a água estava guardada há tanto tempo, talvez fosse melhor bebê-la logo. Então, vou abrir, Ana pensou. É melhor beber logo, mesmo que seja com esses pastéis, e são pastéis gostosos, então está bem.
Minerale naturale, capito?

Ana colocou os pastéis no prato, foi até a geladeira e pegou a garrafinha de vidro verde transparente. Abriu. Bebeu. Um, dois goles. Estava praticamente sem gás algum. Afastou a San Pellegrino do rosto, examinou para ver se as borbulhinhas estavam subindo e quase borbulhinha nenhuma subia. Sem gás, lamentou. Não podia reparar o fato de não tê-la consumido antes, enquanto ainda estava boa e fresca.

Bebia um gole da água. Mordia um pedaço de pastel. Mastigava. Enquanto mastigava, pensava, parece que influenciada por algum acontecimento anterior, já que mastigar pastéis e beber água com pouco gás, genuinamente, não justificam tais divagações. Essa minha mania de deixar o que julgo ser muito especial para um momento perfeito, pensou. E a San Pellegrino já sem gás, sem graça, ali à mesa.

Comeu os pastéis, gostosos. Bebeu a água até a metade, a outra metade jogou fora, já não estava boa. Essa mania que tenho de deixar o que julgo muito especial pra um momento perfeito. Guardei essa água tanto... O fato é que Ana já não pensava na água. A água encontraria outra vez, n’outro supermercado. Ana tinha em seus pensamentos alguma outra questão, outro episódio, alguém, uma coisa, sabe-se lá.

“E quando finalmente vou desfrutar dos goles que tanto esperei, e até prendo o fôlego, porque estou crendo que serão inesquecivelmente marcantes, acabo por pensar: cadê o gás?” Não era mais da água. Pode-se arriscar que se tratava do tipo de coisa que guarda em si alguma potência. Essas coisas que devem ser desfrutadas, compartilhadas, tocadas, expostas, sentidas enquanto ainda borbulham, enquanto ainda tem bolhas querendo subir pela extensão da garrafa.

Tão voláteis, Ana concluiu. E eu ainda tento protelar, deixar pra depois, numa garrafinha de vidro verde transparente para um jantar especial. É que Ana tentava fazer da potência promessa. Se fica guardado por muito tempo, intocado, parecendo que precisa esperar, esperar, esperar... Uma hora pode perder a força, Ana raciocinava, absorta, esquecida da San Pellegrino.

Levantou-se, saiu da cozinha, foi para o quarto. Ligou seu computador e pensou. Escreveu, escreveu, tentou relatar um pouco para não se esquecer. E por último digitou assim, algo que não levava aspas porque era seu:

Que eu beba a água com o máximo de gás – o momento especial estará, precisamente, nisto.




3 comentários:

  1. vc eh linda e especial garota, nunca duvide disso.

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  2. vc eh linda e especial, nunca se esqueca disso.

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  3. Lorena se encontrou nessa garrafa. Sério.

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E você? O que ta fazendo com a sua vida?